"Precisa-se
de Matéria Prima para construir um País"
A crença
geral anterior era que Collor não servia, bem como Itamar e Fernando Henrique.
Agora dizemos que Lula não serve. E o que vier depois de Lula também não
servirá para nada.
Por isso
estou começando a suspeitar que o problema não está no ladrão corrupto que foi
Collor, ou na farsa que é o Lula. O problema está em nós. Nós como POVO.
Nós como
matéria prima de um país. Porque pertenço a um país onde a
"ESPERTEZA" é a moeda que sempre é valorizada, tanto ou mais do que o
dólar. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada
do que formar uma família, baseada em valores e respeito aos demais.
Pertenço
a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em
outros países, isto é, pondo umas caixas nas calçadas onde se paga por um só
jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
Pertenço
ao país onde as "EMPRESAS PRIVADAS" são papelarias particulares de
seus empregados desonestos, que levam para casa, como se fosse correto, folhas
de papel, lápis, canetas, clipes e tudo o que possa ser útil para o trabalho
dos filhos... e para eles mesmos.
Pertenço
a um país onde a gente se sente o máximo porque conseguiu "puxar" a
tevê a cabo do vizinho, onde a gente frauda a declaração de imposto de renda
para não pagar ou pagar menos impostos.
Pertenço
a um país onde a impontualidade é um hábito. Onde os diretores das empresas não
valorizam o capital humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as
pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os
esgotos. Onde pessoas fazem "gatos" para roubar luz e água e nos
queixamos de como esses serviços estão caros.
Onde não
existe a cultura pela leitura (exemplo maior nosso atual Presidente, que
recentemente falou que é "muito chato ter que ler") e não há
consciência nem memória política, histórica nem econômica.
Onde
nossos congressistas trabalham dois dias por semana para aprovar projetos e
leis que só servem para afundar ao que não tem, encher o saco ao que tem pouco
e beneficiar só a alguns.
Pertenço
a um país onde as carteiras de motorista e os certificados médicos podem ser
"comprados", sem fazer nenhum exame. Um país onde uma pessoa de idade
avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé
no ônibus, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não dar o lugar.
Um país
no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o pedestre. Um país
onde fazemos um monte de coisa errada, mas nos esbaldamos em criticar nossos
governantes.
Quanto
mais analiso os defeitos do Fernando Henrique e do Lula, melhor me sinto como pessoa,
apesar de que ainda ontem "molhei" a mão de um guarda de trânsito
para não ser multado.
Quanto
mais digo o quanto o Dirceu é culpado, melhor sou eu como brasileiro , apesar
de ainda hoje de manhã passei para trás um cliente através de uma fraude, o que
me ajudou a pagar algumas dívidas.
Não.
Não. Não. Já basta.
Como
"Matéria Prima" de um país, temos muitas coisas boas, mas nos falta
muito para sermos os homens e mulheres que nosso país precisa.
Esses
efeitos, essa "ESPERTEZA BRASILEIRA" congênita, essa desonestidade em
pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos de
escândalo, essa falta de qualidade humana, mais do que Collor, Itamar, Fernando
Henrique ou Lula, é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são
brasileiros como nós, ELEITOS POR NÓS.
Nascidos
aqui, não em outra parte... Me entristeço. Porque, ainda que Lula renunciasse
hoje mesmo, o próximo presidente que o suceder terá que continuar trabalhando
com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos.
E não
poderá fazer nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém o possa fazer
melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar
primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá.
Nem
serviu Collor, nem serviu Itamar, não serviu Fernando Henrique, e nem serve
Lula, nem servirá o que vier. Qual é a alternativa? Precisamos de mais um
ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror? Aqui
faz falta outra coisa.
E
enquanto essa "outra coisa" não comece a surgir de baixo para cima,
ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos
igualmente condenados, igualmente estancados... Igualmente sacaneados!!!
É muito
gostoso ser brasileiro. Mas quando essa brasilinidade autóctone começa a ser um
empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, aí a coisa
muda... Não esperemos acender uma vela a todos os Santos, a ver se nos mandam
um Messias.
Nós
temos que mudar, um novo governador com os mesmos brasileiros não poderá fazer
nada. Está muito claro... Somos nós os que temos que mudar.
Sim,
creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda nos acontecendo;
desculpamos a mediocridade mediante programas de televisão nefastos e
francamente tolerantes com o fracasso.
É a
indústria da desculpa e da estupidez. Agora, depois desta mensagem, francamente
decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe (sim,
exigir-lhe) que melhore seu comportamento e que não se faça de surdo, de
desentendido.
Sim,
decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR
NO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO EM OUTRO LADO.
E você,
o que pensa?...
MEDITE!
Texto
retirado do jornal do meio ambiente, publicado em 14 de novembro de 2005, por
João Ubaldo Ribeiro.
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